Em fevereiro de 2016, estive no MASP – Museu de Arte de São Paulo e escrevi esse texto, após visitar a exposição “Elementos de beleza: Um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá”, baseada em uma pesquisa de Carla Zaccagnini sobre as suffragettes, ativistas que lutaram pelo direito de voto para a mulher na Inglaterra do início do século 20.
10 de Março de 1914, uma mulher anda com uma faca escondida na manga pelo National Gallery de Londres, vai até a obra “Vênus ao Espelho”, de Diego Velázquez, quebra o vidro que a protege e faz sete rasgos nas costas desnudas da deusa.
Antes de “Vênus ao Espelho” ser atacada, outras 13 obras já haviam sido danificadas por outras mulheres. Todas acabavam presas e deixavam o seu recado: Enquanto não pudermos votar, continuaremos atacando museus. Ao todo foram 29 obras. A maioria mostrava a mulher em uma posição aceitável pela sociedade da época: rezando, tocando flauta, lendo a bíblia ou então apenas nua. O que mostra que os ataques também era uma crítica a isso, a hipersexualização e objetificação do corpo feminino, a musificação das mulheres.
Me lembrou muito o Guerrilla Girls, um grupo de Nova York, criado em 1985, de feministas anônimas formado por artistas que questionam o machismo e o racismo presentes no mundo da arte. Numa das imagens mais famosas do grupo, há a pergunta: “Mulheres tem que estar nuas para estarem no Metropolitan Museum of Art?” E a informação de que em 2012, havia menos de 4% dos artistas mulheres presentes nas seções de arte moderna, enquanto 76% das imagens nuas eram de mulheres. Recentemente, a imagem foi editada e passou a perguntar sobre precisar estar nua para aparecer em clipes de música, enquanto os caras estão 99% das vezes vestidos.
Um dos ataques mais fortes foi o que danificou o quadro Sua Alteza o Duque de Wellington, de Hubert von Herkomer, em 12 de março de 1914, na Royal Academy. Nele está o neto do Duque de Wellington, um dos generais que lutaram contra a instituição do voto no final do século 19, no Reino Unido e na Irlanda. “O avô teve as janelas de casa quebradas em prol do voto masculino. O retrato do neto foi destruído em prol do voto feminino”, explicava a locução em áudio.
Na faixa 15, se explica o nome da exposição: “Elementos de Beleza: Um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá.” : Em 9 de abril de 1914, no British Museum, três xícaras e um pires de porcelana chinesa foram destruídos pelas sufragistas. A obra retratava a diferença de classes e um hábito dos trabalhadores chamado de “milk first”: servir-se de leite antes do café quente para que as xícaras não se quebrassem com o calor. Assim, as sufragistas buscavam atacar a valorização da propriedade, da burguesia, pois somente os mais ricos usavam xícaras de porcelana.
Enquanto esses ataques aconteciam, a primeira câmera fotográfica adquirida pela polícia britânica estava designada a registrar as ativistas. Quando algumas delas iam presas eram obrigadas a olhar para a câmera e, para isso, eram seguradas pelos guardas pelo pescoço. Nas fotos reveladas, os braços que as sufocavam eram apagados para esconder do grande público a humilhação e a violência. Além das prisões, outra consequência dos ataques foi a determinação de que as mulheres só poderiam frequentar as salas de leitura dos museus acompanhadas e com uma carta de recomendação sobre seu bom comportamento.
Depois de ouvir os 29 áudios da exposição, as palavras de uma das ativistas, Mary Richardson, ecoavam pela minha mente “A justiça é um elemento de beleza assim como são a cor e o traço sobre uma tela.” A força e a forma como essas histórias se compactuam com a nossa identidade, com o nosso Ser Mulher (independente de genitália), é algo que nos faz transcender, pois mostra toda a resistência que trazemos em nosso corpo, todo o percurso de lutas que passamos para chegar até aqui. É entrar em contato com o lado que nos é constantemente negado: a união feminina. É usar isso como fomento para romper com a passividade e a submissão que nos foi imposta. Toda a exposição foi feita através do livro “Elementos de Beleza” da artista visual e escritora, Carla Zaccagnini, nascida em 1973, em Buenos Aires na Argentina.
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Seguindo pelo MASP, descobri o quão grande aquele lugar é. Por fora é maravilhoso, por dentro mais ainda. Não conseguia sentir mais nada além da força feminina, pois tudo aquilo foi projetado por uma mulher, a Lina Bo Bardi. Ver as exposições do segundo andar do jeito com os cavaletes de vidro, do jeito que a Lina idealizou em 1970, é mágico. É como se as obras flutuassem e você conseguisse passar por elas e captar tudo de uma maneira muito suave e real. O próprio vão do MASP foi pensando pela Lina como algo para ser popular e hoje é ponto de encontro de amigos, palco de manifestações e afins.
E então, depois de passar a tarde no museu, eu pude sair de lá inspirada e renovada, com uma frase da Pagu gritando dentro de mim: “Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre.”
(Texto escrito por Bia Varanis, em Fevereiro de 2016)
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