casa branca, terra roxa
Neste trabalho de conclusão de curso, em arquitetura e urbanismo, eu tentei mostrar que a arquitetura pode ser, e quase sempre é, um espaço opressivo para as mulheres e como isso é parte da modernidade/colonialidade. O trabalho tem como base teórica e visual, mulheres artistas e suas obras que apresentam a discussão sobre modernidade, espaço doméstico, arquitetura e relações de gênero.



Tendo vivido no interior do Paraná por muito tempo, é desse espaço rural que falo e das relações entre as casas, o espaço doméstico, as mulheres que nele ocorrem: os padrões arquitetônicos das casas mais recentes (as casas novas), não são adequados ao espaço rural, pois seguem modelos urbanos que não levam em conta as necessidades das trabalhadoras e trabalhadores rurais e do ambiente que é terroso; consequência disso, é que os trabalhos de manutenção e limpeza do lar, atribuídos como responsabilidade das mulheres donas de casa, se tornam mais longos, árduos e exaustivos. É uma arquitetura que confina as mulheres em seu interior.
I.
As casas mais antigas, do oeste rural paranaense, eram construídas com materiais locais, como a madeira e as pedras; e eram construídas pelos próprios moradores e moradoras; tinham características adaptadas com o contexto agrícola: desde a cor que sempre tendia a tons escuros para “esconder” a sujeira, o piso geralmente de cimento queimado vermelho da mesma cor que a terra; a varanda que era o espaço intermediário entre o fora e o dentro, onde os alimentos da roça eram lavados, onde as pessoas se lavavam antes de entrar, conservando o dentro limpo, e também onde acontecia a sociabilidade com as visitas, e o sombreamento da casa mantendo o conforto térmico no verão; as hortas, as roças, os pomares, onde eram produzidos o sustento da família e as ervas medicinais; os jardins e quintais, que faziam parte do embelezamento e da identidade da morada.

Essas características e muitas outras vão sendo substituídas ao longo dos anos por casas de alvenaria, sem varanda, com azulejos brancos, com paredes beges, superfícies lisas, tamanhos maiores, grades ao redor da casa e ao invés de jardim ou pomar, apenas um gramadinho. O que quero dizer é que o modelo de casa que as famílias rurais passaram a desejar, o símbolo de sucesso e de realização, são as casas urbanas, que seguem padrões de uma herança modernista europeia de limpeza, higiene, pureza, simbolizada pela brancura, mas que também, são uma relação de poder econômico, simbolizada pelo valor econômico dos materiais, e ainda confinam relações desiguais de gênero.
As escolhas arquitetônicas, feitas por arquitetos, arquitetas ou moradores, moradoras, como a desses materiais de construção e revestimento, a cor da casa, os móveis, o tamanho da casa, a distribuição espacial dos cômodos, tudo isso vai implicar em uma manutenção, uma limpeza, um trabalho que, pela divisão sexista do trabalho, é atribuído como responsabilidade, inclusive moral, da mulher, da esposa, da dona do lar.
Com materiais caros, claros, brancos, espaços maiores, que sujam facilmente pelo contato com o pó, a terra vermelha, o barro, o trabalho doméstico de manutenção requer um maior esforço, o que faz com que as mulheres fiquem por mais tempo a realizar essas funções, repetitivas, contínuas, solitárias e invisibilizadas, pois não é um trabalho valorizado e nem remunerado.
Além de um desgaste físico, também há um desgaste mental, um estresse constante e um clima de confinamento. A casa aprisiona a mulher pelo trabalho doméstico exaustivo e sem fim.

II.
No espaço externo da casa, parece que algo diferente acontece: o trabalho doméstico nos quintais, nos jardins e nas hortas, parece ter um efeito positivo sobre essas mesmas mulheres. Cuidar desses espaços, também é uma responsabilidade atribuída às mulheres, porém se torna um trabalho mais criativo do que limpar uma casa, há contato com a natureza, com a terra, e com ciclos: existe uma criação poética e intelectual ao plantar, ao cuidar de um jardim, de uma horta.
E esse trabalho é apreciado por outras mulheres que também tem seus jardins e trocam sementes, mudas, crenças, histórias, memórias, dicas, e elogios entre si. Há um fortalecimento de laços afetivos, coletivos e também culturais.
Essas mulheres encontram no espaço exterior, na prática da agricultura de subsistência, no cultivo de ervas e flores, um espaço de criação; de visibilidade quando são reconhecidas pelos frutos de suas hortas e pela beleza de seus jardins; de aumento da auto-estima por esse reconhecimento e pelos elogios; estreitamento dos laços afetivos que ocorrem pelas trocas; e também alguma independência do mercado quando, por exemplo, se troca entre vizinhas os excedentes, ou até financeira, quando se vende alguma produção.
Porém, cada vez mais um modelo urbano impositivo adentra o rural, e esses espaços vão se reduzindo, se perdendo, ou não são mais levados em consideração no planejamento da casa, ou não sobrevivem em meio a monocultura presente na região.

III.
Há uma colonização do urbano sobre o rural, em que o espaço rural é representado como atrasado, feio, primitivo e logo sua arquitetura também; e que se deve caminhar em direção ao progresso, que está na cidade. Essa noção é a modernidade ocidental, que nos coloniza, que exclui outras formas de vivência, de conhecimento e de ser no mundo, e que aparece brutalmente nas paredes, no chão, na poeira, no corpo e nas mãos dessas mulheres da terra.
Link para o TCC: https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/3121
Escrito por Maicon Rodrigo Rugeri, arquiteto e urbanista pela Universidade Federal da Integração Latino America – UNILA, atualmente mestrando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia – UFBA.
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