Nelita Barbosa – A escrita como forma de resistência

Conheci a história da Nelita Barroso conhecendo primeiro a sua neta, Renata Reis, que por uma super e feliz coincidência veio morar comigo, pra fazer mobilidade na UNILA. Nelita é uma mulher muito forte, que rompeu com algo historicamente proibido para as mulheres: a escrita. Escreveu sua história, se colocou como protagonista de um tempo e de uma vida.

Nelita Barbosa nasceu no dia 5 de abril de 1925, no povoado de Patioba, Japaratuba, estado de Sergipe.

Em julho de 1987, ela escreveu a mão, o livro autobiográfico: “Uma história da vida”, transcrito e impresso depois por seus filhos. Publicado de forma independente, no sindicato do Partido dos Trabalhadores, em Diadema.

No livro, Nelita não conta só a sua trajetória de vida, mas toda a conjuntura social e política de uma sociedade:

“Em Patioba, o povo vivia de roças, plantava-se feijão, mandioca, milho, batata-doce, inhame, abóbora, melancia, amendoim, e havia regiões que se plantava algodão, fava, feijão de corda e muitos legumes produtivos. A cana-de-açúcar só quem plantava eram os ricos fazendeiros e todos os moradores de Patioba trabalhavam para eles. O povo vivia trabalhando de cinco horas da manhã até as seis horas da noite para ganhar um salário muito baixo e que não dava para comprar alimentos para seus filhos.” (pg 5)

Começando a trabalhar desde muito cedo, Nelita conta que foi a igreja da cidade, e lá, viu meninas lendo a bíblia. Depois disso, ela ficou de cama, com febre e muito doente, por vários dias. Sua mãe, tentou de tudo para ajuda-la, até que Nelita disse que se sentia assim porque queria MUITO estudar, aprender a ler e escrever. Com ajuda do irmão mais velho, ganhou um livro de alfabetização. No final do ano, Nelita já sabia ler e escrever.
E assim, começou a dar aulas para a comunidade. Deu aula pra muita, muita gente, começando aos 13 anos de idade. O tempo foi passando e Nelita, mesmo sem diploma, continuou alfabetizando jovens e idosos. Perto de completar seus 20 anos, voltou a trabalhar nas “roças dos ricos” (pg 20), dando aula somente no período noturno.

No dia 08 de fevereiro de 1947, Nelita se casou. Foi viver em Aracajú. E lá, passou por muitas dificuldades.

“Nelita começou a se preocupar muito porque compreendeu que o marido não se interessava por nada, só trabalhava e não gostava da comunidade da igreja e nem se comunicar com alguém para que pudessem ser ajudados em momentos difíceis. Ele só gostava de tocar nos finais de semana com os amigos, tocava pandeiro, mas proibia a sua esposa de participar. Ele sabia que ela fazia poemas, músicas e cantava, mas ele não gostava que ela participasse de nada.” (pg25)

Nelita teve 18 filhos, 9 deles morreram “por falta de alimentos, assistência médica e também por falta de moradia”.

“O Estado fornecia um leite em pó que matava as crianças, e mesmo assim, os médicos nunca tinham interesse de mudar a sociedade da época. Eles só queriam receitar as crianças e passavam o leite e não se responsabilizavam pela crise que as crianças sofriam, pois, quanto mais crianças eles receitavam o leite, mas o seu salário aumentava, porque era da vida das crianças pobres que eles melhoravam de vida. Havia crianças que ficavam cegas antes de morrer, o leite tinha uma droga que cegava.” (pg 26)

Depois de um tempo, seu marido começou a beber muito, chegando até a agredi-la fisicamente. Nelita seguiu a vida aos trancos e barrancos, sempre com a consciência das opressões que sofria do governo e dos “ricos opressores e exploradores”, como ela diz no livro.
Em 1976, foi morar em São Paulo com os filhos, tendo enfim, liberdade para escrever poemas e musicas.

“Hoje é 30 de julho de 1987. Eu, Nelita, resolvi escrever um livro com a participação dos trabalhadores, o povo do partido dos trabalhadores – PT.
Estou com 62 anos, e não tenho paz, nem saúde, por causa de tantas injustiças.
(…)
Nós esperamos e confiamos em nós, temos fé na força das lutas dos trabalhadores.” (pg 35)

Nelita faleceu no dia 15 de agosto de 2013, em Diadema – SP.

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